Alexandrina Meleiro fala sobre doenças mentais

Uma entrevista sobre estigma, transtornos já na adolescência, o papel dos pais e outros assuntos relacionados ao tema

Publicado em: 30 de agosto de 2017  e atualizado em: 4 de novembro de 2021
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Quando falamos de doenças mentais, não estamos falando de uma única como a comum depressão. Existem várias outras, com tratamentos distintos. Para conhecer mais sobre o assunto, conversamos com Alexandrina Meleiro, que é doutora em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, além de ser coordenadora da Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e membro do Conselho Científico da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (www.abrata.org.br).

O que caracteriza as doenças mentais?

Drª Alexandrina Meleiro – Saúde é o bem-estar físico mental, é ter a capacidade de enfrentar o seu dia a dia e ter condições de lidar com as adversidades da vida. Quando falamos de doenças mentais há uma série delas, como depressão, estresse pós-traumático, bulimia, transtorno alimentar, que têm aumentado muito a prevalência no mundo todo, a ponto de ser uma preocupação da Organização Mundial da Saúde, estamos falando de algo extremamente importante.

Para a Organização Mundial da Saúde, a falta de tratamento adequado faz com que os transtornos mentais tenham destaque no ranking de doenças que atingem a população mundial. A senhora acredita que o estigma relacionado a essas doenças faz com que as pessoas não procurem ajuda?

Drª Alexandrina Meleiro – Sim, o estigma prejudica muito as pessoas. Primeiro a identificar a doença, depois aceitar o tratamento. A Associação Brasileira de Psiquiatria fala em Psicofobia, termo de cunho internacional, e que se refere ao preconceito contra os padecentes de transtornos e deficiências mentais. Nós temos o preconceito, estigma e tabu. O preconceito é a aversão a determinadas situações, como se a pessoa com uma determinada doença, como depressão, não pudesse ser tratada igual como outras pessoas. Ela tem uma doença, ela não é a doença. Esse estigma faz com que a pessoa seja vista de modo diferente, cheia de reservas, como se ela não pudesse se misturar. E o tabu de falar de doença de comportamento, como se as pessoas fossem responsáveis por ela, assim como se falar que a pessoa é responsável por sofrer do coração ou do fígado. Todas as doenças mentais, comprovadamente, têm influência genética muito grande, somadas por alterações do meio ambiente, como bullying, que favorecem que a pessoa venha desencadear algo que ela recebeu geneticamente. Há também traços individuais, temperamento e acontecimentos de vida que pode fazer com que a pessoa tenha uma depressão, por exemplo. A única doença mental que não tem fator genético é o transtorno do estresse pós-traumático. 

Como minimizar os estigmas relacionados às doenças mentais?

Drª Alexandrina Meleiro – É importante falar sobre elas. Hoje a mídia mundial tem abordado muito o tema, mas ainda não o suficiente para reduzir os tabus e estigmas. É preciso chegar ao ponto de ter uma equivalência igual a de falar que tem uma doença cardíaca, por exemplo. Avançamos muito em relação ao século passado. Recentemente, tivemos os episódios do jogo Baleia Azul e da série 13 Reasons Why, que abordam o suicídio. No caso da série, ela vai contra todos os preceitos da Organização Mundial de Saúde e do que OMS recomenda sobre como abordar o tema, porém, vejo como lado positivo o fato de quebrar barreiras e poder falar mais livremente sobre esses temas. 

Quais os principais alertas para perceber um transtorno mental?

Drª Alexandrina Meleiro – A maioria dos transtornos começa no final da infância ou início da adolescência e da vida adulta. É importante observar mudanças de comportamento, algo que a pessoa não era daquele jeito e passou a agir de forma diferente, começa a ter queixas, a ficar depressiva ou agitada, ansiosa, começar a adquirir determinados comportamentos, como limpeza, fazer abuso de determinadas substâncias, como álcool, ou ter gasto excessivo, baixa autoestima, faltar à escola ou ao trabalho, ou seja, todas essas alterações que faz com que a gente possa detectar que algo está acontecendo. O começo é por alteração de comportamentos. 

Neste caso, o que fazer para ajudar?

Drª Alexandrina Meleiro – Procurar um especialista e enfrentar o problema. Parece fácil ao falar, mas uma das coisas mais difíceis é convencer a pessoa a procurar ajuda, é muito comum a negação da doença. Orientamos os familiares a serem bastante persistentes para convencer. Diante de um quadro avançado é preciso procurar ajuda de qualquer maneira, se a pessoa está tendo um infarto vai ser levada a um pronto socorro de qualquer maneira. No transtorno mental é uma minoria que precisa deste tipo de intervenção. No geral, é um trabalho de persuasão de familiares e dos profissionais de saúde para que aceite o diagnóstico e tratamento. 

Quais as dificuldades para o diagnóstico das doenças da mente?

Drª Alexandrina Meleiro – O diagnóstico é difícil porque, infelizmente, há uma falta de conhecimento para que identifique, tanto do público leigo como de muitos profissionais da área de saúde. A partir do momento em que se está nas mãos de um profissional habilitado, o diagnóstico não é difícil. Alguns quadros de transtorno mental, às vezes, temos que esperar um tempo para ver como é a evolução para termos a certeza do diagnóstico. Mas a suspeita, a hipótese diagnóstica é feita. 

É possível prevenir doenças da mente?

Drª Alexandrina Meleiro – Claro, como toda doença dentro da medicina. A prevenção primária vem desde os pais terem uma genética saudável, o que não quer dizer que se eu tenho um transtorno mental eu não possa ter filhos, a ter uma gravidez com cuidados e bom pré-natal, o momento do parto, a atenção à primeira infância, uma boa alimentação, a criança não passar muita ansiedade, muitas angústias por não ter os cuidados necessários dos quais ela é totalmente dependente. A partir do momento que se identifica o grupo de risco, passa a ter um pouco mais de cuidado para prevenir o adoecer, na prevenção secundária. Quando a pessoa já teve um quadro de transtorno mental nós vamos prevenir para que não haja recorrência do quadro, isto é a prevenção terciária. 

Quais são os principais transtornos mentais tratados atualmente?

Drª Alexandrina Meleiro – Existem muitos transtornos, porém, os mais comuns são a depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, transtorno bipolar, esquizofrenia e transtorno de dependência a álcool e outras drogas. O importante é vencer as barreiras do preconceito e tabus da doença mental.

 

Fonte: Revista Panorama (informativo interno do Grupo Eurofarma)

Este material tem caráter meramente informativo. Não deve ser utilizado para realizar autodiagnóstico ou automedicação. Em caso de dúvidas, consulte sempre seu médico.
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